A doutrina do conhecimento de Deus–Material de apoio para o inicio do curso bíblico da proxima quinta feira na Igreja Betel Brasileiro Geisel

Primeira Parte: A DOUTRINA DE DEUS

I. A Existência de Deus

A. Lugar da Doutrina de Deus na Dogmática.

As obras de dogmática ou de teologia sistemática geralmente começam com a Doutrina de Deus. A opinião prevalecente tem reconhecido sempre este procedimento mais lógico, e ainda continua apontando na mesma direção. Em muitos casos, mesmo aqueles cujos princípios fundamentais pareceriam exigir outro arranjo, continuam na prática tradicional. Há boas razões para começar com a Doutrina de Deus, se partirmos da admissão que a Teologia é o conhecimento sistematizado de Deus de quem, por meio de quem, e para quem são todas as coisas. Em vez de surpreender-nos de que a dogmática comece com a Doutrina de Deus, bem poderíamos esperar que seja completamente um estudo de Deus, em todas as suas ramificações, do começo ao fim. Como uma questão de fato, é isto exatamente o que se pretende que seja, embora somente o primeiro locus ou capítulo teológico trate diretamente de Deus, enquanto que as partes ou loci subseqüentes tratam dele de maneira mais indireta. Iniciamos o estudo de teologia com duas pressuposições a saber: (1) Que Deus existe; (2) Que Ele se revelou em Sua Palavra divina. E por esta razão não nos é impossível começar com o estudo de Deus. Podemos dirigir-nos a Sua revelação para aprender o que Ele revelou a respeito de Si mesmo e a respeito de Sua relação para com as Suas criaturas. Têm-se feito tentativas no curso dos tempos para distribuir o material da dogmática de tal modo que exiba claramente que ela é não apenas em um locus, mas em sua totalidade, um estudo de Deus. Isto foi feito pela aplicação do método trinitário, que dispõe o assunto da dogmática sob os três títulos: (1) O Pai; (2) O Filho; (3) O Espírito Santo. Esse método foi aplicado em algumas das primeiras obras sistemáticas, foi restaurado ao favor geral por Hegel, e se pode ver ainda na Dogmática Cristã, de Martensen. Uma tentativa semelhante foi feita por Breckenridge, quando dividiu o assunto da dogmática em (1) O Conhecimento de Deus Objetivamente Considerado; (2) O Conhecimento de Deus subjetivamente Considerado. Nem um nem outro destes podem ser considerados como tendo tido sucesso.

Até o começo do século XIX era quase geral a prática de começar o estudo da dogmática com a doutrina de Deus, mas ocorreu uma mudança sob a influência de Schleiermacher, que procurou salvaguardar o caráter científico da teologia com a introdução de um novo método. A consciência religiosa do homem substituiu a palavra de Deus como a fonte da teologia. A fé na Escritura como autorizada revelação de Deus foi desacreditada e a compreensão humana, baseada na apreensão emocional ou racional do homem, veio a ser o padrão do pensamento religioso. A religião gradativamente tomou o lugar de Deus como objeto da teologia. O homem deixou de ser ou de reconhecer o conhecimento de Deus como algo que lhe foi dado na Escritura e começou a orgulhar-se de Ter a Deus como seu objeto de pesquisa. No curso do tempo tornou-se comum falar do descobrimento de Deus feito pelo homem, como se o homem alguma vez O tivesse descoberto; e toda descoberta feita nesse processo foi dignificada com o nome de “revelação”. Deus vinha no final de um silogismo, ou como o último elo de uma corrente de raciocínio, ou como a cumeeira de uma estrutura de pensamento humano. Sob tais circunstâncias, era simplesmente natural que alguns considerassem incoerência começar a dogmática pelo estudo de Deus. Antes é surpreendente que tantos, a despeito do seu subjetivismo, tenham continuado a seguir a ordem tradicional.

Contudo, alguns perceberam a incongruência e partiram por outro caminho. A obra dogmática de Schleiermacher dedica-se ao estudo e análise do sentimento religioso e das doutrinas nele envolvidas. Ele não trata da doutrina de Deus de maneira conexa, mas apenas em fragmentos, e conclui a sua obra com uma discussão sobre a Trindade. Seu ponto de partida é antropológico, e não teológico. Alguns teólogos intermediários foram tão influenciados por Schleiermacher que, logicamente, começaram os seus tratados de dogmática com o estudo do homem. Mesmo nos dias presentes esta ordem é seguida ocasionalmente. Acha-se um notável exemplo disto na obra de O. A. Curtis em The Christian Faith. Esta começa com a doutrina do homem e conclui com a doutrina de Deus. Poderia parecer que a teologia da escola de Ritschl requeresse ainda outro ponto de partida, desde que encontra a revelação objetiva de Deus, não a Bíblia como na palavra divinamente inspirada, mas em Cristo como fundador do Reino de Deus, e considera a idéias do Reino como o conceito central e absolutamente dominante da teologia. Contudo, dogmáticos da Escola de Ritschl, como Herrmann, Haering e Kaftan, seguem, pelo menos formalmente, a ordem usual. Ao mesmo tempo, há vários teólogos que em suas obras começam a discussão da dogmática propriamente dita com a doutrina de Cristo ou da Sua obra redentora. T. B. Strong distingue entre teologia e teologia cristã, define esta última como “a expressão e análise da encarnação de Jesus Cristo”, e faz da encarnação o conceito dominante em todo o seu Manual of Theology.

B. Prova Bíblica da Existência de Deus.

Para nós a existência de Deus é a grande pressuposição da teologia. Não há sentido em falar-se do conhecimento de Deus, se não se admite que Deus existe. A pressuposição da teologia cristã é um tipo muito definido. A suposição não é apenas de que há alguma coisa, alguma idéia ou ideal, algum poder ou tendência com propósito, a que se possa aplicar o nome de Deus, mas que há um ser pessoal auto-consciente, auto-existente, que é a origem de todas as coisas e que transcende a criação inteira, mas ao mesmo tempo é imanente em cada parte da criação. Pode-se levantar a questão se esta suposição é razoável, questão que pode ser respondida na afirmativa. Não significa, contudo, que a existência de Deus é passível de uma demonstração lógica que não deixa lugar nenhum para dúvida; mas significa, sim, que, embora verdade da existência de Deus seja aceita pela fé, esta fé, se baseia numa informação confiável. Embora a teologia reformada considere a existência de Deus como pressuposição inteiramente razoável, não se arroga a capacidade de demonstrar isto por meio de uma argumentação racional. Dr. Kuyper fala como segue da tentativa de fazê-lo: “A tentativa de provar a existência de Deus ou é inútil ou é um fracasso. É inútil se o pesquisador acredita que Deus recompensa aqueles que O procuram. É um fracasso se se trata de uma tentativa de forçar, mediante argumentação, ao reconhecimento, num sentido lógico, uma pessoa que não tem esta pistis.[1]

O Cristão aceita a verdade da existência de Deus pela fé. Mas esta fé não é uma fé cega, mas fé baseada em provas, e as provas se acham, primariamente, na Escritura como a Palavra de Deus inspirada, e, secundariamente, na revelação de Deus na natureza. A prova bíblica sobre este ponto não nos vem na forma de uma declaração explícita, e muito menos na forma de um argumento lógico. Nesse sentido a Bíblia não prova a existência de Deus. O que mais se aproxima de uma declaração talvez seja o que lemos em Hebreus 11:6 “… é necessário que aquele que se aproxima de Deus creia que ele existe e que se torna galardoador dos que o buscam”. A Bíblia pressupõe a existência de Deus em sua declaração inicial, “No principio criou Deus os céus e a terra”. Ela não somente descreve a Deus como o Criador de todas as coisas, mas também como o Sustentador de todas as Suas criaturas. E como o Governador de indivíduos e nações. Ela testifica o fato de que Deus opera todas as coisas de acordo com o conselho da Sua vontade, e revela a gradativa realização do Seu grandioso propósito de redenção. O preparo para esta obra, especialmente na escolha e direção do povo de Israel na velha aliança, vê-se claramente no Velho Testamento, e a sua culminação inicial na Pessoa e Obra de Cristo ergue-se com grande clareza nas páginas do Novo testamento. Vê-se Deus em quase todas as páginas da Escritura Sagrada em que Ele se revela em palavras e atos. Esta revelação de Deus constitui a base da nossa fé na existência de Deus, e a torna uma fé inteiramente razoável. Deve-se notar, contudo, que é somente pela fé que aceitamos a revelação de Deus e que obtemos uma real compreensão do seu conteúdo. Disse Jesus, “Se alguém quiser fazer a vontade dele, conhecerá a respeito da doutrina, se ela é de Deus ou se eu falo por mim mesmo”, João 7.17. É este conhecimento intensivo, resultante de íntima comunhão com Deus, que Oséias tem em mente quando diz, “Conheçamos, e prossigamos em conhecer ao Senhor”, Oséias 6.3. O incrédulo não tem nenhuma real compreensão da palavra de Deus. As palavras de Paulo são pertinentes nesta conexão: “Onde está o sábio? Onde o escriba? Onde o inquiridor deste século? Porventura não tornou Deus louca a sabedoria do mundo? Visto como, na sabedoria de Deus, o mundo não o conheceu por sua própria sabedoria, aprouve a Deus salvar os que crêem, pela loucura da pregação”, 1 Coríntios 1.20, 21.

C. A negação da existência de Deus em suas Várias Formas.

Os estudiosos de religiões comparadas e os missionários freqüentemente dão testemunho do fato de que a idéia de Deus é praticamente universal na raça humana. É encontrada até mesmo entre as mais atrasadas nações e tribos do mundo. Isto não significa, contudo, que não há indivíduos que negam a existência de Deus completamente, nem tampouco que não há um bom número de pessoas em terras cristãs que negam a existência de Deus como Ele é revelado na Escritura, uma Pessoa de perfeições infinitas, auto-existente e auto-consciente, que realiza todas as coisas segundo um plano predeterminado. É esta última forma de negação que temos particularmente em mente aqui. Ela pode assumir várias formas e, na verdade, tem assumido várias formas no curso da história.

1. A ABSOLUTA NEGAÇÃO DA EXISTÊNCIA DE DEUS. Como acima foi dito, há forte prova da presença universal da idéia de Deus na mente humana, mesmo entre as tribos não civilizadas e que não tem recebido o impacto da revelação especial. Em vista deste fato, alguns chegam a negar a existência de pessoas que negam a existência de Deus, que haja verdadeiros ateus, a saber, os ateus práticos e os teóricos. Os primeiros são simplesmente pessoas não religiosas, pessoas que na vida prática não contam com Deus, e vivem como se Deus não existisse. Os últimos são em regra, de um tipo mais intelectual, e baseiam a sua negação num processo de raciocínio. Procuram provar que Deus não existe usando para este fim aquilo que lhes parece argumentos racionais conclusivos. Em vista da semen reliogionis implantada em todos os seres humanos, pela criação do homem à imagem de Deus, é seguro admitir que ninguém nasce ateu. Em última análise, o ateísmo resulta do estado moral pervertido do homem e do seu desejo de fugir de Deus. É deliberadamente cego para o instinto mais fundamental do homem, para as necessidades mais profundas da alma, para as mais elevadas aspirações do espírito humano, e para os anseios de um coração que anda tateando em busca de um ser mais alto; é cego para estas realidades e as procura suprimir. Esta supressão prática ou intelectual da operação da semen reliogionis freqüentemente envolve prolongados e penosos conflitos.

Não se pode duvidar da existência de ateus práticos, visto que tanto a Escritura como a experiência a atestam. A respeito dos ímpios o Salmo 14.1 declara: “Diz o insensato no seu coração: não há Deus” (cf. Sl 10.4b). E Paulo lembra aos Efésios que eles tinham estado anteriormente “sem Deus no mundo”, Efésios 2.12. A experiência também dá abundante testemunho da presença deles no mundo. Eles não são necessariamente ímpios notórios aos olhos dos homens, mas podem pertencer aos assim chamados “homens decentes do mundo”, embora consideravelmente indiferentes para com as coisas espirituais. Tais pessoas muitas vezes têm a consciência do fato de que estão em desarmonia com Deus, tremem ao pensar em defrontá-lo e procuram esquecê-lo. Parecem Ter um secreto prazer em exibir o seu ateísmo quando tudo vai bem, mas é sabido que dobram os seus joelhos em oração quando sua vida entra repentinamente em perigo. Na época presente, milhares desses ateus práticos pertencem à Associação Americana para o Progresso do Ateísmo.

Os ateus teóricos são doutra espécie. Geralmente são de um tipo mais intelectual e procuram justificar a afirmação de que não há Deus por meio de argumentação racional. O professor Flint distingue três espécies de ateísmo teórico, a saber, (1) Ateísmo dogmático, que nega peremptoriamente a existência de um ser divino; (2) Ateísmo cético, que duvida da capacidade da mente humana de determinar se há ou não há um Deus; (3) Ateísmo crítico, que sustenta que não há nenhuma prova válida da existência de deus. Estes freqüentemente caminham de mãos dadas, mas mesmo o mais moderado deles realmente declara que toda e qualquer crença em Deus é uma ilusão.[2] Nesta divisão se verá que o agnosticismo também aparece como uma espécie de ateísmo, classificação que desagrada a muitos agnósticos. Deve-se ter em mente, porém, que o agnosticismo referente à existência de Deus, embora admitindo a possibilidade da sua realidade, deixa-nos sem um objeto de culto e adoração exatamente como faz o ateísmo dogmático. Contudo, o verdadeiro ateu é o ateu dogmático, o homem que faz a afirmação categórica de que não há Deus. Essa afirmação pode significar uma de duas coisas: ou que ele não reconhece Deus nenhum, de nenhuma espécie, não erige nenhum ídolo para si mesmo, ou que não reconhece o Deus da escritura. Ora, há muitos poucos ateus que na vida prática não modelam alguma espécie de Deus para si próprios. Há um número muito maior daqueles que teoricamente põem de lado todo e qualquer deus; e um número ainda maior dos que romperam com o Deus da Escritura. O ateísmo teórico geralmente está arraigado em alguma teoria científica ou filosófica. O monismo materialista, em suas várias formas, e o ateísmo normalmente andam de mãos dadas. O idealismo subjetivo absoluto pode ainda deixar-nos a idéia de Deus, mas nega que haja qualquer realidade que lhe corresponda. Para o humanista moderno “Deus” simplesmente significa “o espírito da humanidade”, “o sentimento de integralidade”, “meta racial” e outras abstrações desta espécie. Outras teorias não somente dão lugar a Deus; também pretendem manter a sua existência, mas certamente excluem o Deus do teísmo, um Ser pessoal supremo, o Criador, o Preservador, e o Governador do Universo, distinto de Sua criação e, contudo, em toda parte presente nela. O panteísmo funde o natural e o sobrenatural, o finito e o infinito numa só substância. Muitas vezes fala de Deus como base oculta do mundo fenomenal, mas não O concebe como pessoal e, portanto dotado, como dotado de inteligência e vontade. Ousadamente declara que tudo é Deus, assim se envolve naquilo a que Brightman chama “a expansão de Deus”, de modo que temos “muito de Deus”, visto que Ele inclui também todo o mal do mundo. Isto exclui o Deus da escritura, e até aqui claramente ateísta. Spinoza pode ser chamado “O homem intoxicado por Deus”, mas o seu Deus certamente não é o Deus que os cristãos cultuam e adoram. Seguramente, não pode haver dúvida da presença de ateus teóricos no mundo. Quando David Hume expressou dúvida a respeito da existência de um ateu dogmático, o Barão d’Holbach replicou: “Meu caro senhor, neste momento estais sentado à mesa na companhia de dezessete pessoas dessa classe”. Os que são agnósticos quanto à existência de Deus podem diferir um tanto do ateu dogmático, mas eles, como estes últimos, deixam-nos sem Deus.

2. FALSOS CONCEITOS ATUAIS DE DEUS QUE ENVOLVEM NEGAÇÃO DO VERDADEIRO DEUS. Em nossos dias há vários conceitos falsos de Deus, conceitos que envolvem a negação do conceito teísta de Deus. Basta nesta conexão uma breve indicação dos mais importantes destes falsos conceitos.

a. Um Deus imanente e impessoal. O teísmo sempre acreditou num Deus que é transcendente e imanente. O deísmo retirou deus do mundo, e deu ênfase à Sua transcendência, em detrimento da Sua imanência. Sob a influência do panteísmo, porém o pêndulo pendeu noutra direção. Identificou Deus com o mundo e não reconheceu um Ser divino distinto da Sua criação e infinitamente exaltado acima dela. Por intermédio de Schleiermacher, a tendência de fazer Deus um Ser em linha de continuidade com o mundo obteve um ponto de apoio na teologia. Ele ignora completamente o Deus transcendente e só reconhece um Deus que pode ser conhecido pela experiência humana e se manifesta na consciência cristã como causalidade absoluta, à qual corresponde um sentimento de dependência absoluta. Os atributos que atribuímos a Deus, são, nesta maneira de ver, meras expressões simbólicas dos vários modos assumidos por este sentimento de dependência, idéias subjetivas sem nenhuma realidade correspondente. Suas representações de Deus mais antigas e posteriores parecem diferir um pouco, e os intérpretes de Schleiermacher diferem quanto à maneira pela qual as suas afirmações devam ser harmonizadas. Contudo, Brunner parece estar certo quando diz que, para Schleiermacher, o universo toma o lugar de Deus, embora seja usado este último nome; e que ele concebe a Deus como idêntico ao universo e como a unidade subjacente ao universo. Muitas vezes parece que a distinção entre o mundo como uma unidade e o mundo em suas multiformes manifestações. Ele fala muitas vezes de deus como o “Universum” ou o “Welt-All”, e argumenta contra a personalidade de Deus; apesar disso, incoerentemente, fala como se pudéssemos Ter comunhão com Ele em Cristo. Estas opiniões de Schleiermacher, fazendo de Deus um Ser em linha de continuidade com o mundo, dominou grandemente a teologia do século passado, e é esta opinião que Barth combate com a sua forte ênfase a Deus como “O Totalmente Outro”.

b. Um Deus finito e pessoal. A idéia de um Deus finito ou deuses finitos não é nova; é tão antiga como politeísmo e o henoteísmo. A idéias harmoniza-se com o pluralismo, não porém com o monismo filosófico bem com o monoteísmo teológico. O teísmo sempre considerou Deus como um Ser pessoal, absoluto, de perfeições infinitas. Durante o século XIX, quando a filosofia monística estava em ascendência, tornou-se comum identificar o Deus da teologia com o Absoluto da filosofia. Mais para o fim do século, porém, o termo “Absoluto”, como uma designação para Deus, caiu em descrédito, em parte por causa de suas implicações agnósticas e panteísticas, e em parte como resultado da oposição à idéia do “Absoluto” na filosofia, e do desejo de excluir toda metafísica da teologia. Bradley considerava o deus da religião cristã como uma parte do Absoluto, e James defendia um conceito de Deus que estava mais em harmonia com a experiência humana de que com a idéia de um Deus infinito. Ele elimina de Deus os atributos metafísicos de auto-existência, infinidade e imutabilidade, e declara supremos os atributos morais. Deus tem um meio-ambiente, existe no tempo, e elabora uma história exatamente como nós o fazemos. Em vista do mal existente no mundo, Ele deve ser imaginado como limitado em conhecimento ou no poder, ou em ambos. As condições do mundo tornam impossível crer num Deus bondoso, infinito em conhecimento e poder. A existência de um poder superior amistoso para com o homem e com o qual este pode comungar satisfaz todas as necessidades e experiências práticas da religião. James concebia este poder como pessoal, mas não desejava expressar-se como se acreditasse num Deus finito ou em vários deuses finitos. Bergson acrescentou a este conceito de James a idéia de um Deus em luta e em crescimento, constantemente envolvendo em seu meio-ambiente. Outros que defendiam a idéias de um Deus finito, embora de diferentes maneiras, são Hobhouse, Shiller, James Ward, Rashdall e H.G. Wells.

c. Deus como personificação de uma simples idéia abstrata. Ficou muito em voga na moderna teologia “liberal” considerar o nome de “Deus” como um simples símbolo, representando algum processo cósmico, uma vontade ou poder universal, ou um ideal elevado e abrangente. Repete-se com freqüência a afirmação de que, se Deus criou o homem à Sua imagem, o homem agora está devolvendo o cumprimento criando a Deus à imagem do homem. Diz-se a respeito de Harry Elmer Barnes que uma vez ele disse numa de suas aulas de laboratório: “Cavalheiros, agora vamos criar Deus”. Essa foi uma rude expressão de uma idéia muito comum. A maioria dos que rejeitam o conceito teísta de Deus ainda professa fé em Deus, mas este é um Deus de sua própria imaginação.. A forma que ele assume numa ocasião particular depende, segundo Shailer Matthews dos atuais modelos de pensamento. Nos tempos anteriores à guerra, o padrão dominante era o de um soberano autocrático, que exigia obediência absoluta; agora é o de um governante democrático, disposto a servir a todos que lhe estão subordinados. Desde os dias de Comte tem havido a tendência de personificar a ordem social da humanidade como um todo e de cultuar esta personificação. Os assim chamados melhoristas ou teólogos sociais revelam a tendência de identificar Deus de algum modo com a ordem social. E os neopsicologistas dizem-nos que a idéia de Deus é uma projeção da mente humana, que em seus primeiros estágios é inclinada a formar imagens de suas experiências e a revesti-las de uma semi-personalidade. Leuba é de opinião que esta ilusão de Deus não será necessária. Umas poucas definições servirão para mostrar as tendências dos dias presentes. “Deus é o espírito imanente da comunidade” (Royce). Deus “é aquela qualidade da sociedade humana em desenvolvimento” (E. S. Ames). “A palavra ‘deus’ é um símbolo para designar o universo em sua capacidade ideal de formação” (C.B. Foster). “Deus é o nosso conceito, nascido da experiência social, dos elementos que desenvolvem personalidade e os elementos de explicação pessoal do nosso ambiente cósmico, como o qual estamos organicamente relacionados” (Shailer Matthews). Mal se precisa dizer que o Deus assim definido não é um Deus pessoal e não responde às necessidades mais profundas do coração humano.

D. As Assim Chamadas Provas Racionais da Existência de Deus.

No transcurso do tempo foram elaborados alguns argumentos em favor da existência de Deus. Acharam ponto de apoio na teologia, especialmente pela influência de Wolff. Alguns deles já tinham sido sugeridos, em essência, por Platão e Aristóteles, e outros foram acrescentados modernamente por estudiosos da filosofia da religião. Somente os mais comuns podem ser apresentados aqui.

1. O ARGUMENTO ONTOLÓGICO. Este argumento foi apresentado em várias formas por Anselmo, Descartes, Samuel Clark, e outros. Foi apresentado em sua mais perfeita forma por Anselmo. Este argumenta que o homem tem a idéia de um ser absolutamente perfeito; que a existência é atributo de perfeição; e que, portanto, um ser absolutamente perfeito tem que existir. Mas é evidente que não podemos tirar uma conclusão quanto à existência real partindo de um pensamento abstrato. O fato de que temos uma idéia de Deus ainda não prova a Sua existência objetiva. Além disto, este argumento pressupõe tacitamente como já existente na mente humana o próprio conhecimento da existência de Deus que teria que derivar de uma demonstração lógica. Kant declarou, com ênfase, insustentável este argumento, mas Hegel o aclamou como um grande argumento em favor da existência de Deus. Alguns idealistas modernos sugeriram que ele poderia ser proposto de forma um tanto diferente, como a que Hocking chamou, “O registro da experiência”. Em virtude podemos dizer: “Tenho idéia de Deus: portanto, tenho experiência de Deus”.

2. O ARGUMENTO COSMOLÓGICO. Este argumento tem aparecido em diversas formas. Em geral se apresenta como segue: Cada coisa existente no mundo tem que ter uma causa adequada; sendo assim, o universo também tem que ter uma causa adequada, isto é, uma causa indefinidamente grande. Contudo, o argumento não produz convicção, em geral. Hume questionou a própria lei de causa e efeito, e Kant assinalou que, se tudo que existe tem uma causa adequada, isto se aplica também a Deus, e, assim, somos suposição de que o cosmo teve uma cauda única, uma causa pessoal e absoluta, e, portanto, não prova a existência de Deus. Esta dificuldade levou a uma construção ligeiramente diversa do argumento como, por exemplo, a que B.P.Bowne fez. O universo material aparece como sistema interativo e, portanto, como uma unidade que consiste de várias partes. Daí, deve haver um Agente Integrante que veicule a interação das várias partes ou constitua a base dinâmica da existência delas.

3. O ARGUMENTO TELEOLÓGICO. Este argumento também é causal e, na verdade, é apenas uma extensão do imediatamente anterior. Pode ser exposto da seguinte forma: Em toda parte o mundo revela inteligência, ordem, harmonia e propósito, e assim implica a existência de um ser inteligente e com propósito, apropriado para a produção de um mundo como este. Kant considera este argumento o melhor dos três que mencionamos, mas alega que ele não prova a existência de Deus, nem de um criador, mas somente a de um grande arquiteto que modelou o mundo. É superior ao argumento cosmológico no sentido de que explicita aquilo que não é firmado no anterior, a saber, que o mundo contém evidências de inteligência e propósito. Não se segue necessariamente que este ser é o Criador do mundo. “A prova teológica”. Diz Wright.[3] “indica apenas a provável existência de uma mente que, ao menos em considerável medida, controla o processo do mundo, suficiente para explicar a quantidade de teleologia que nele transparece”. Hegel considerava este argumento válido, mas o tratava como um argumento subordinado. Os teólogos sociais dos nossos dias rejeitam-no, juntamente com todos os outros argumentos, como puro refugo, mas os neoteístas o aceitam.

4. O ARGUMENTO MORAL. Como os outros argumentos, este também assumiu diferentes formas. Kant tomou seu ponto de partida no imperativo categórico, e deste deferiu a existência de alguém que, como legislador e juiz, tem absoluto direito de dominar o homem. Em sua opinião, este argumento é muito superior a qualquer dos outros. É o argumento em que se apóia principalmente, em sua tentativa de provar a existência de Deus. Esta pode ser uma das razões pelas quais este argumento é mais geralmente reconhecido do que qualquer outro, embora nem sempre com a mesma formulação. Alguns argumentam baseados na desigualdade muitas vezes observada entre a conduta moral dos homens e a prosperidade que eles gozam na vida presente, e acham que isso requer um ajustamento no futuro que, por sua vez, exige um árbitro justo. A teologia moderna também o usa amplamente, em especial na forma de que o reconhecimento que o homem tem do Sumo Bem e a sua busca de uma ideal moral exigem e necessitam a existência de um ser santo e justo, não torna obrigatória a crença em um Deus, em um Criador ou em um Ser de infinitas perfeições.

5. O ARGUMENTO HISTÓRICO OU ETNOLÓGICO. Em geral este argumento toma a seguinte forma: Entre todos os povos e tribos da terra há um sentimento religioso que se revela em cultos exteriores. Visto que o fenômeno é universal, deve pertencer à própria natureza do homem. E se a natureza do homem naturalmente leva ao culto religioso, isto só pode achar sua explicação num ser superior que constituiu o homem um ser religioso. Todavia, em resposta a este argumento, pode-se dizer que este fenômeno universal pode ter-se originado num erro ou numa compreensão errônea de um dos primitivos progenitores da raça humana, e que o culto religioso referido aparece com mais vigor entre as raças primitivas e desaparece à medida que elas se tornam civilizadas.

Ao avaliar estes argumentos racionais, deve-se assinalar antes de tudo que os crentes não precisam deles. Sua convicção a respeito da existência de Deus não depende deles, mas, sim, da confiante aceitação da auto-revelação de Deus na Escritura. Se muitos em nossos dias estão querendo firmar sua fé na existência de Deus nesses argumentos racionais, isto se deve em grande medida ao fato de que eles se negam a aceitar o testemunho da palavra de Deus. Além disso, ao usar estes argumentos na tentativa de convencer pessoas incrédulas, será bom ter em mente que de nenhum que nenhum deles se pode dizer que transmite convicção absoluta. Ninguém fez mais para desacreditá-los que Kant. Desde o tempo dele, muitos filósofos e teólogos os têm descartado como completamente inúteis, mas hoje os referidos argumentos estão recuperando apoio e o seu número está crescendo. E o fato de que em nossos dias tanta gente acha neles indicações satisfatórias da existência de Deus, parece indicar que eles não são inteiramente vazios de valor. Têm algum valor para os próprios crentes, mas devem ser denominados testimonia, e não argumentos. Eles são importantes como interpretações da revelação geral de Deus e como elementos que demonstram o caráter razoável da fé em um ser divino. Além disso. Podem prestar algum serviço na confrontação com os adversários. Embora não provem a existência de Deus além da possibilidade de dúvida e a ponto de obrigar o assentimento, podem ser elaborados de maneira que estabeleçam uma forte probabilidade e, por isso, poderão silenciar muitos incrédulos.

QUESTIONÁRIO PARA PESQUISA: 1. Por que a teologia moderna inclinou-se a dar primazia ao estudo do homem e não ao estudo de Deus? 2. A Bíblia prova a existência de Deus ou não? 3. Se prova, como o faz? 4. O que é que explica o sensus divinitatis geral do homem? 5. Existem nações ou tribos que absolutamente não o possuem? 6. Pode-se sustentara a posição de que não existem ateus? 7. Os humanistas do presente devem ser classificados como ateus? 8. Que objeções há para a identificação de Deus com o Absoluto da filosofia? 9. Um Deus finito satisfaz as necessidades da vida cristã? 10. A doutrina de um Deus finito só se encontra nos pragmatistas? 11. Por que é que a idéia de um Deus personificado é um pobre substituto do Deus vivo? 12. Em que consiste a crítica de Kant aos argumentos da razão especulativa em favor da existência de Deus? 13. Como devemos julgar esta crítica?

BIBLIOGRAFIA PARA CONSULTA: Bavinck, Geref. Dogm. II, p.52-74; Kuyper, Dirct. Dogm. De Deo I, P. 77-123; Hodge, Syst. Theol. I, p. 221-248; Dabney, Syst. And Polem. Theol, p.5-26; Macintosh, Theol. as an Empirical Sciense, p.90-99; Knudson, The Doctrine of God, p. 203-241; Beathie, Apologetics, p.250-444; Brightman, The Problem of God, p. 139-165; Wright, A Student’s Phil of Rel., p.339-390; Edward, The Philosophy of Rel., p. 218-305; Beckwith, The Idea of God, p. 64-115; Thompson, The Chirstian Idea of God, p. 160-189; Robinson, The God of the Liberal Christian, p.114-149; Galloway, The Phil, of Rel., p.382-394.


[1] Dict, Dogm., De Deo I, p. 77 (tradução de L. B. ao inglês).

[2] Anti-Theories, p.4s.

[3] A Student’s Philosophy of Religion, p.341.

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