UM CLAMOR POR MISERICÓRDIA
“Compadece-te de mim, ó Deus, segundo a tua benignidade; e, segundo a multidão das tuas misericórdias, apaga as minhas transgressões” (Sl 51.1).
O Salmo 51 é o grito de socorro de Davi, depois de ter pecado contra Deus. Davi era um homem de Deus, mas caiu em pecado. Adulterou, mandou matar o marido da mulher e depois casou-se com ela. Jeitosamente tentou esconder o seu pecado. Porém, o que Davi fez foi mau aos olhos do Senhor. Confrontado pelo profeta Natã, Davi reconheceu seu pecado, confessou-o e clamou pela misericórdia divina.
O versículo em tela, enseja-nos quatro lições:
Em primeiro lugar, a compaixão divina é baseada em sua benignidade e não em nosso merecimento. O pecado é maligníssimo e indesculpável. Davi pecou deliberadamente contra Deus, contra si mesmo, contra Bate-Seba, contra Urias, contra sua família e contra sua nação. É digno de nota que para pecados deliberados não havia expiação. O pecado é uma afronta a Deus antes de ser um golpe no próximo. O pecado é o maior de todos os males, por nos privar da maior de todas as bênçãos. O pecado nos priva da comunhão com Deus e faz separação entre nós e Deus. Davi não reivindica nada, só roga compaixão. Ele não tem nada a exigir, apenas pleiteia a misericórdia. A confissão de Deus começa com o coração quebrantado. Manifesta-se não nas tentativas de fuga, mas no real enfrentamento da culpa. Davi se estriba na benignidade Deus e não em seus próprios predicados para rogar o perdão divino.
Em segundo lugar, o pedido de perdão é resultado de um reconhecimento profundo de nossa culpa pessoal. Davi orou e pediu: “Compadece-te de mim, ó Deus…”. Mesmo sendo rei e o maior de toda a monarquia de Israel, mesmo sendo rico e o mais rico do seu reino, mesmo sendo o mais conceituado e valente guerreiro de seu exército, Davi está tomado por uma profunda convicção de pecado. Está consciente de que nada merece. Está profundamente quebrantado por causa de vileza de seu pecado, da enormidade de sua culpa e das trágicas consequências de sua transgressão. Não há perdão onde não há arrependimento e não há arrependimento onde não há profundo reconhecimento de que o pecado cometido é uma afronta a Deus e um atentado contra o próximo. Davi ora, “compadece-te de mim…”.
Em terceiro lugar, não há nenhuma outra fonte de perdão fora do próprio Deus. Davi recorre a Deus porque sabe que só Deus pode perdoar pecados, aliviar a consciência culpada e restaurar o caído. Nenhuma igreja tem autoridade para perdoar pecados. Nenhum sacerdote pode inocentar o culpado. Nenhuma terapia psicológica pode apagar as manchas do pecado. Nenhum expediente místico pode atenuar a dor provocada pelos verdugos da consciência. Ninguém pode perdoar pecados, exceto Deus. Recorrer a qualquer outra fonte é enganar a si mesmo. Davi confessa seu pecado a Deus e roga sua misericórdia e alcança o perdão e o alívio para sua consciência.
Em quarto lugar, o perdão dos nossos pecados só é possível por causa da multidão das misericórdias de Deus. As transgressões não podem ser apagadas se Deus fizer apontamento dos nossos pecados. Nossa dívida é impagável. Nosso débito com Deus está além de nossa possiblidade de saldá-lo. Somos devedores. Somos culpados. Não podemos quitar nossa própria dívida. Não podemos romper nossos próprios grilhões. Não podemos limpar as nossas manchas. Não podemos purificar o nosso próprio coração nem apagar nossas transgressões. Porém, quando nos arrependemos e confessamos a Deus os nossos pecados, por causa do sangue de Jesus vertido na cruz e por causa da multidão de suas misericórdias, ele nos perdoa, nos lava, nos restaura. Não fuja de Deus, corra para seus braços. Não esconda suas transgressões, confesse-as e deixe-as. Não acaricie seus delitos, abomine-os e o Deus misericordioso restaurará a sua sorte.
Conclusão
Em sua carta aos Coríntios, Paulo a escreve depois de sair de uma provação, em que pensou que não iria escapar com vida: “Fomos oprimidos tão acima de nossas forças que chegamos a perder a esperança de escapar com vida” (2Cor 1,8). Por isso, ele inicia a carta agradecendo a Deus de tê-lo preservado da morte: “Bendito seja Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai das Misericórdias e Deus de toda consolação.
Ele nos consola em todas as nossas aflições, para com a consolação que nós mesmo recebemos de Deus, possamos consolar os que se acham em toda e qualquer tribulação!” (2Cor 1,3-4). Veja, Deus é Pai, o Pai de Jesus, o salvador; portanto, Deus é misericórdia para todos aqueles que se acham em meio à tribulação e angustia. Assim, como Deus livrou Paulo da morte e ouviu suas orações, Deus pode também nos livrar de toda angustia. Então, é preciso sempre confiar em Deus, mesmo quando nos falta esperança.
Hoje, a humanidade sofre uma grande tribulação com a pandemia do COVID-19, muitos têm se desesperado, outros quase perdendo a fé e a esperança. Mas veja, São Paulo mesmo nos diz que ele havia perdido a esperança de sobreviver, mas Deus veio em seu socorro. Quando recordamos a história de Paulo, podemos ver que ele foi blasfemo, perseguidor, insolente: “A mim que, antes, blasfemava, perseguia e agia com violência. Mas alcancei misericórdia, porque agia por ignorância, não tenho ainda a fé. A graça de nosso Senhor manifestou-se copiosamente, junto com a fé e com o amor que estão em Cristo. É digna de fé e de ser acolhida por todos esta palavra: Cristo Jesus veio ao mundo para salvar os pecadores, dos quais eu sou o primeiro. Mas alcancei misericórdia, para que em mim, o primeiro dos pecadores, Jesus Cristo mostrasse toda a sua paciência, fazendo de mim um exemplo para todos os que crerão nele, em vista da vida eterna” (1Tm 1,13-16).